terça-feira, 18 de maio de 2010

Show girl


Os quatro anos da minha passagem pela escola primária foram fantásticos. Era uma miúda muito ansiosa por aprender, muito organizada com as suas coisas e com notas irrepreensíveis.
Aprendi a ler e escrever com grande facilidade e testava, já com 6 anos, a caligrafia que melhor me definia.
Eu entrei na escola primária como uma Maria-Rapaz, tendo um irmão gémeo, vestíamos ambos roupa da mesma amálgama, daí que seria de esperar ver-me vestida com uma camisa aos quadradinhos azuis e na semana seguinte ela assentar no meu irmão. Isso não me incomodava de todo, o que eu queria era brincar e aprender.
Eu era a querida da professora, não sei porquê, nunca fui demasiado simpática com ela, apenas era calada e muito atenta, sempre colada ao meu irmão.
Até que veio a 2ª Classe e comecei a fazer amigos e descolei do meu irmão. Fiquei amiga da menina mais girly da escola, que em contraste a mim, usava longos cabelos em canudinhos, roupa que efectivamente combinava, sempre numa palete de rosas e cheia de acessórios para embonecar ainda mais. Por algum motivo ficámos muito amigas e eu comecei a comparar-me a ela e a querer ser como ela. E comecei a gostar de vestidos, a fazer penteados no meu cabelo, a ser mais menina, a rejeitar a camisa dos quadradinhos azuis, a escrever com torcidinhos nas letras. Éramos na 3ª classe as miúdas populares da escola e quisemos ser mais ainda. Formámos um grupo musical com uma terceira amiguinha da mesma forma que nós: o Grupo das Formiguinhas. Ensaiávamos no intervalo da escola, dentro da sala com os estores corridos, e meninos a querer espreitar. Tínhamos coreografias criadas e ensaiadas por nós, cantávamos e encantávamos toda a gente. Ao som das músicas dos Onda Choc, Ministars, e até do genérico da Tieta! Tínhamos um fato artístico, todo preto com antenas. Actuávamos em diversas escolas além da nossa, e éramos chamadas para todo o lado. Os rapazes ofereciam-nos lírios arrancados descuidadamente dos jardins, as raparigas queriam ser nossas amigas. E eu senti-me a menina mais feliz de todas, na escola.
Em casa, no meio de tantos irmão, 5 ao todo, pais que trabalham, creio que apenas a minha avó sabia deste meu sucesso artístico.
Eu vivia uma vida dupla e continuei a vivê-la quando acabou a primária. No meu círculo de amigos, era querida, esperada, adorada, o que eu dizia era fantástico. Em casa era uma sombra, uma voz calada. Nesses momentos via a minha diferença para com a Rita. Os seus canudinhos no cabelo eram feitos pela mãe dela, eu penteava-me sozinha. Ela tinha um retrato a óleo no centro de uma escadaria central da casa. Eu partilhava o quarto com a minha avó e a minha irmã. Ela vestia vestidos cor-de-rosa em casa, eu vestia a camisa dos quadradinhos azuis.
No entanto senti-me sempre rica por essa vida velada de casa que eu tinha. Era parte de um todo e não o todo, como a Rita era.

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