quarta-feira, 19 de maio de 2010

Barbosa do Castello


O meu pai tem 82 anos preenchidos de experiências, aventura, determinação, conquistas, quedas e ergueres, sucesso, orgulhos, amor, alegria de viver e muitas recordações.
Nasceu numa pequena aldeia do Minho, numa época pós guerra onde a privação de bens e conforto era já normal e as dificuldades eram vividas com um sorriso de aceitação. O meu pai diz que a aldeia tinha muitas crianças e jovens e por todo o lado se via gente descalça e a trabalhar cantando alegremente. Era uma época difícil mas todos eram felizes. Viviam do que a terra dava e o que produziam e o alimento essencial daquela família de 13 filhos, pai, mãe e avós, era o caldo de farinha de milho com couves. Carne, só em dias de festa ou quando a mãe tinha um bebé. As crianças eram magras e morenas, e quando sobreviviam além dos 5 anos, tornavam-se criaturas rijas e saudáveis.
O meu pai era um bom menino que corria muito e trepava cerejeiras. Era muito esperto na escola, mas, sendo o filho mais velho, teve de deixar as lições na 3ª classe para trabalhar e ajudar os pais.
Tinha 13 magros anos quando começou a carregar uma picareta de 3kg numa viagem de 2h para a floresta e trabalhar 14h para depois voltar a carregá-la por mais 2h até casa. Dava o dinheiro todo ao seu pai e não ficava triste com isso.
Trabalhava no campo, nas horas livres que tinha, onde colhia com a família milho, trigo, batatas, cebolas, hortaliças, vinho. Cuidava da magra vaca, do porco e das galinhas. Aos 10 anos já tinha matado a primeira galinha e feito uma canja para a sua mãe que convalescia de mais um parto. Era muito amado pela família, em especial pela avó, que lhe dava conselhos de ouro e a quem ele tinha especial gosto em agradar sempre.
Porém o meu pai tinha um sonho maior e queria ir para o Brasil ser alguém. O meu avô não o deixou ir até fazer 18 anos. Depois disso, ninguém o segurou e lá foi ele, com um empréstimo para a passagem e sem ninguém à espera dele do outro lado do Atlântico.
Correu oito empregos, vivia numa barraca onde mantinha a tradição de comer caldo de farinha de milho e hortaliça e onde sobreviveu por algum tempo. Respondeu a um anúncio de jornal certo dia, para a Lanchonette Bob's e conseguiu o emprego depois de uma semana à experiência.
Trabalhou na Bob's por mais de 15 anos, foi gerente da casa no Castello, Rio de Janeiro e todos o conheciam como o Barbosa do Castello e gostavam dele. Para o americano, ele era um braço dos direitos, para as mulheres era o galã português que sorria a trabalhar, para os brasileiros, era o "portuga puxa-saco queridinho do patrão".
As mulheres não o largavam e o Barbosa do Castello, entre sorrisos dizia "Hei-de casar com uma moça da minha terra, aquela para quem eu escrever será a sério até lá ando-me a divertir".
E foi à terra, homem feito, passados 11 anos no Brasil, homem concretizado, feliz, à procura da sua mulher. Muitas foram as solteiras interessadas nele, moças ricas, com muitos terrenos e património, mas ele quando a viu, decidiu que era ela.
A rapariga magra de cabelos longos ruivos, olhos azuis desafiantes mas sorriso tímido que ele viu a levar cântaros de água ladeira acima. Conversou com ela uma vez e bastou para se apaixonar pela sua beleza e bondade escondida no orgulho. Escreveu em segredo para ela durante um ano. Casou com ela por procuração. Foi buscá-la ao cais, cansada e assustada de um mês atravessando o Atlântico de navio e levou-a para o seu solarengo apartamento da Tijuca, com colcha de damasco na cama nova e flores na mesa da cozinha.
Ela deu-lhe 3 filhas louras e brancas como a neve e, cuidou dele. Foram felizes naquele país quente e colorido até decidirem voltar.
E começaram de novo uma e outra vez, agora em Lisboa, houveram quedas e voltaram-se a erguer e contruiram uma família e um património.
O Barbosa do Castello, hoje com 82 anos, 5 filhos e 4 netos sorri ao olhar para o seu percurso e conta-o vezes sem conta, por qualquer pretexto, a quem esteja perto para o ouvir. Aconselha toda a gente usando a sua longa história. Sonha sempre com coisas boas e mesmo no intervalo da novela diz "sonhei com o Brasil".

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