terça-feira, 1 de junho de 2010

Taizé


Fui uma criança que cresceu num ambiente católico. A minha avó ensinou-me as orações, antes mesmo de eu saber ler. Iamos em família à missa nos domingos, e esse hábito para mim era algo que não se questionava sequer. Frequentei a catequese, fui baptizada, fiz Primeira Comunhão, Comunhão Solene, Crisma... tudo o que se espera de um filho nesta família. No entanto, a religião para mim era apenas um motivo para fazer novos amigos e era mais fácil simplesmente ir do que gerar conflitos em casa ao questionar os motivos. Nunca reflecti sobre o que andava ali a fazer, e porquê.
Até que fiz 17 anos e um grupo de amigos me convidou a viajar até Taizé.
As pessoas falavam desse lugar no sul de França com uma luz nos olhos e um sorriso deleitado de quem recorda uma boa lembrança. E isso intrigou-me muito. Fui ler coisas, falar com pessoas, saber o que vive em Taizé.
É uma aldeia situada num vale perto de Lyon, onde vive uma comunidade de irmãos ecuménica vinda de todos os cantos do mundo.
Criada por Roger nos anos 40, começou a ser visitada por viajantes a quem era dado espaço para interpretar a sua fé. Ano após ano, jovens foram aparecendo em cada vez maior número, pedindo para ficar por uns dias. É cristã, reune caólicos, ortodoxos, protestantes... mas também se vêem por lá budistas. Hoje em dia por ocasião da Páscoa, chega a reunir cerca de 12000 pessoas, onde se passa uma semana fazendo parte da comunidade, inseridos em grupos de trabalho.
Eu estava numa fase da vida em que questionava muita coisa e a religião era algo que não percebia, não me cativava. Convenci os meus pais a deixarem-me ir e pus-me num autocarro, com mais 54 pessoas, a caminho de Taizé. Foi a primeira viagem ao estrangeiro que fiz e marcou-me muito, pela liberdade que me proporcionou de passear nas ruas desconhecidas, conhecer cidades em Espanha e França... fiz amigos que ainda hoje subsistem na minha vida.
Recordo-me de entrar na aldeia de Taizé muito cansada, era uma manhã muito fria de Abril, com gelo a derreter nas árvores, flores por todo o lado e verde, muito verde, que contrastava com as casinhas de madeira dourada.
Por todo lado via pessoas da minha idade, todos sorrindo, rindo uns com os outros, conversando em círculos sentados no chão. Haviam filas para comer o pequeno almoço e passavam pessoas com baguetes, um pacote de manteiga, um pau de chocolate e uma tigela de plástico com cacau. Sorri ante a perspectiva de passar ali 8 dias.
Entrei na igreja ao ver gente a ir para lá e deparei-me com um pavilhão enorme, alcatifado de castanho, sem cadeiras e gente sentada no chão olhando para o altar mais bonito que vi. Um altar que apenas tinha ícones bizantinos, faixas laranja que subiam para o céu e velas, muitas velas pequenas, em suportes de argila encarnada. Taizé era um lar.
Integrei-me profundamente na comunidade, participando no trabalho de cantar no coro durante as orações da noite. As músicas eram lindas e simples, proporcionavam a meditação e o fechar de olhos.
As refeições eram preparadas por outros jovens como eu, racionadas e interessantes, não propriamente deliciosas, mas algo as tornava únicas, talvez se devesse ao facto de a comermos apenas com uma colher, sentados na relva em grupos.
Haviam grupos de reflecção misturados de culturas e credos, onde se falava sobre passagens bíblicas, mas que se tornavam mais numa troca de experiências em que protestantes e católicos ouviam os ortodoxos falar da sua maneira de praticar a fé e posteriormente falavam eles também do que acreditam.
Criei amizades exóticas naquela semana, percebi o ridículo de se lutar contra alguém que não acredita no mesmo que nós. Porque, no fundo tudo é a mesma coisa, apenas muda a interpretação de cada um, conforme a casa onde nasceu.
Vivi Taizé como quem bebe água fresca depois de uma dura caminhada. Vim de lá mudada, crescida, alguém que questiona ainda mais tudo. Vim feliz.
Percebi que a religião, não pode ser algo que a família nos impõe, mas antes uma vivência muito íntima de cada um. Há uma maneira de viver a fé adaptada a cada um de nós e isso foi a minha descoberta em Taizé. A minha maneira de viver a fé, é cantando, meditando e admirando a beleza de ser parte de uma comunidade livre de fórmulas. Acreditando em mim como ser que pode ser sempre melhor.
Deus está dentro de mim e é em Taizé que o faço crescer.