sexta-feira, 8 de julho de 2011

Sayuri

Nasceu na rua, numa manhã fria de Abril.
De olhos ainda velados, aconchega-se na sua mãe, quente e felpuda como qualquer mãe deveria ser. Pela primeira vez ronrona e descobre o prazer do amor.
Rapidamente aprende a saltitar e o seu pelinho amarrotado e penujento cresce em torno de si, como uma aura escura que a protege do mundo. Descobre o mundo com a sua pequena irmã e juntas exploram aquele carro abandonado na beira da estrada como se de um planeta se tratasse.
Os carros correm velozes na estrada e não a deixam aventurar-se para a outra margem. É tão curiosa que se senta desajeitadamente, frustrada a olhar para o outro lado.
Um dia apareceram por ali umas pessoas muito bondosas que, sem qualquer motivo a levam embora. Nunca mais viu a sua mãe felpuda nem a sua irmã aventureira. Foi posta numa caixa e levada num carro rápido, pela estrada que tanto quis atravessar.
Dirigia-se ao desconhecido, de olhos muito abertos e amarelos, bebendo as imagens novas como se fossem a água fresquinha que pingava do cano do seu planeta.
Chegou a um local mto verde e solarengo, onde haviam mais como ela, de todas as cores, riscas, manchas, todos em caixas como ela, aguardavam... "onde estou?"

De repente, aproximou-se uma rapariga, ladeada por outras duas, que a olhava com entusiasmo e timidez. Ouviu-a dizer 'é esta que quero' e a sorrir para ela. Ficou nervosa, engolindo em seco de expectativa. Ela pegou-a ao colo de forma desajeitada, era a primeira vez que se pegavam e foi algo estranho, embora confortável. Soube-lhe bem, muito bem.

Quando deu por si, estava numa caixa diferente, num carro diferente a caminho de mais um desconhecido. Chegou aquela casa pouco entusiasmada. Seria esta a sua vida doravante? Saltar de caixa em caixa, de carro em carro, de planeta em planeta?

Pousou delicadamente as patinhas uma a uma no chão novo. Não sabia andar naquele chão liso e a elegância que já tinha conquistado no alcatrão foi-lhe inútil. Era uma casa grande, com recantos, com esconderijos, era um planeta novo e Sayuri, assim é o nome que lhe foi dado, lambeu os bigodes, de olhos bem abertos e começou a saltitar de novo.
Sentia-se no seu planeta, aquela mãe não era felpuda mas era quente. Viviam sozinhas naquele lugar e estavam a aprender a conviver, a amar-se. Ela deixava a Sayuri enroscar-se no seu pescoço e ali adormecia todas as noites num rolinho. Era o momento só delas, onde ronronava sempre.

Sayuri foi crescendo e deixando de caber no pescoço dela, enroscava-se agora contra a seu peito e era bom na mesma.

O seu novo planeta era maravilhoso, tinha sempre comida no mesmo sitio e, na ausência do cano que pingava, tinha uma latinha de água fresca sempre no mesmo lugar. Foi levada para o paraíso e corria alegremente pela casa, fazendo dela o seu lar.

Ela por vezes desaparecia uns dias, dando lugar a umas visitas fortuitas mas regressava sempre para a pegar no ar e apertar com a força do amor que lhe tinha. Estavam as duas sozinhas mas juntas eram mais, juntas eram felizes.

Só nos damos conta que estamos abandonados quando, em contraste, surge alguém que nos acolhe, ama, e faz de nós o seu ser.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Os amigos da catequese


A catequese muito mais que uma orientação espiritual, teve um papel importante para mim, quando ainda tinha apenas 15 anos... trouxe-me amigos.
Foi com eles que aprendi a questionar tudo o que me rodeia, com eles explorei a minha espiritualidade e experienciei os primeiros laivos de independência.

De entre os meus amigos da catequese, houve uma menina especial que me marcou. Extremamente afável, com um sorriso bondoso com vestígios de rebeldia e um olhar curioso e convidativo. Ela era sensível, diferente. Era tímida. Escondia o que a distinguia dos outros muito mal, pois quem é especial brilha de uma outra forma, de uma forma efectivamente... brilhante.

É curioso como naquela altura nem nos aproximámos muito, apenas nos tocámos, caminhando paralelamente, mas com muita empatia e simpatia uma pela outra.
A vida foi-nos afastando, como dois ramos se afastam para dar lugar a que a árvore cresça e floresça. Ela floresceu longe de mim e eu floresci longe dela.

Demos frutos e muito mais tarde, 15 anos mais tarde, os frutos juntaram-se novamente. Somos AMIGAS. Frutos sumarentos e perfumados de uma árvore da qual não sabemos o nome, mas que nos une de uma forma muito natural.

Não duvido que seremos no futuro sementes que germinarão em harmonia, porque uma vez a parte da vida mais doce e rija partilhada, ficamos na vida uns dos outros para sempre.